A Independência da América Espanhola

10 min


0

No início do século XIX, a Europa estava imersa em um cenário de caos político. Como bem descreve Oliveira Lima:

se lançarmos os olhos para a Europa de 1807, veremos um extraordinário espetáculo: o rei da Espanha mendigando em solo francês a proteção de Napoleão; o rei da Prússia foragido da sua capital ocupada por soldados franceses; […] o quase rei da Holanda, refugiado em Londres; o rei das Duas Sicílias exilado de sua linda Nápoles; as dinastias da Toscana e Parma, errantes […] o czar […] jurando amizades para se segurar em São Petesburgo; a Escandinávia prestes a implorar um herdeiro dentre os marechais de Bonaparte.

Esse panorama caótico foi resultado das guerras napoleônicas, que impactaram profundamente o continente e, consequentemente, as colônias na América.

O papel da Revolução Francesa

A Revolução Francesa de 1789 desencadeou uma série de transformações políticas na Europa, culminando com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder em 1799. Sua ambição de criar uma vasta rede de estados satélites sob influência francesa rapidamente colocou a Espanha no centro dos conflitos. Em 1793, tropas francesas invadiram as fronteiras castelhanas, dando início à Campanha do Rossilhão. Três anos depois, o Tratado de Ildefonso foi assinado, comprometendo a Espanha a acatar as demandas da França. Em 1801, a Espanha foi arrastada para a Guerra das Laranjas contra Portugal, demonstrando sua submissão ao governo francês.

Portugal, embora não fosse parte da América Espanhola, desempenha um papel crucial na compreensão da fragmentação dos territórios hispano-americanos. O Tratado de Fontainebleau, assinado em 1807 entre França e Espanha, previa a invasão e repartição de Portugal, culminando na fuga da família real portuguesa para o Brasil em 29 de novembro de 1807. Este evento expôs a fragilidade da Espanha, que, apesar de seu papel no acordo, viu seus interesses traídos pela França.

A ocupação de Portugal revelou a crescente insatisfação dos militares espanhóis com a presença francesa em seu território. A revolta culminou no Levante de Aranjuez em 1808, que levou à prisão de Manuel de Godoy e à abdicação de Carlos IV em favor de seu filho, Fernando VII. No entanto, Napoleão rapidamente interveio, convocando a família real espanhola para Baiona, onde forçou Fernando a abdicar novamente, colocando seu irmão, José Bonaparte, no trono espanhol. Essa manobra política gerou revoltas por toda a Espanha e nas colônias americanas, que questionavam a legitimidade do novo rei.

As consequências da crise europeia

A crise de autoridade central na Espanha desencadeou a criação de juntas governativas tanto na metrópole quanto na América Hispânica. Essas juntas, compostas por magistrados locais e outras figuras de destaque, se autoproclamaram as novas autoridades, muitas vezes em nome de Fernando VII. Porém, essas juntas variavam em suas intenções, com algumas defendendo maior autonomia em relação à metrópole, enquanto outras reconheciam a regência de Carlota Joaquina, esposa de Dom João VI de Portugal e irmã de Fernando VII.

A complexidade do cenário político da América Hispânica se intensificou na década de 1810, com múltiplos confrontos entre facções rivais em cada vice-reinado e capitania-geral. O vice-reinado do Rio da Prata, por exemplo, vivenciou a deposição do vice-rei Santiago de Liniers e a criação de uma junta revolucionária em Buenos Aires, presidida por Cornélio Saavedra. Esse movimento revolucionário se espalhou rapidamente pela região, levando à criação de novas juntas de governo em territórios como o Chile, a Venezuela e o México.

As tensões políticas na Espanha refletiam-se diretamente nas colônias americanas, onde as juntas governativas buscavam alternativas para o vácuo de poder deixado pela metrópole. A falta de uma autoridade central legítima na Espanha abriu espaço para novas ações políticas e militares nas Américas, criando as bases para os movimentos de independência.

O historiador João Paulo Pimenta destaca que a constituição de juntas, o esvaziamento das autoridades dos vice-reinos ou dos presidentes de capitania, os juramentos de lealdade a Fernando VII e as recusas ao conselho de regência materializam, sob a égide da preservação da soberania de Fernando VII, a ruptura entre colônia e metrópole.

Esse processo contraditório, no qual as colônias seguiam o exemplo da metrópole ao criar governos próprios, acabou por acelerar o movimento de independência na América Hispânica.

A fragmentação do império espanhol na América foi inevitável após 1810. Cada região passou por seu próprio processo de independência, com eventos e líderes distintos. O vice-reinado do Rio da Prata rompeu com a Espanha em 1816, resultando na formação da Argentina. O México, antes o vice-reinado da Nova Espanha, declarou sua independência em 1821. Outros territórios, como o Paraguai (1811), o Chile (1818) e o Peru (1821), seguiram o mesmo caminho, consolidando-se como nações independentes.

No entanto, essas novas nações enfrentaram desafios internos e externos, como fronteiras mal definidas e tensões políticas, que culminaram em conflitos como a Guerra do Paraguai na segunda metade do século XIX. Portanto, compreender a influência dos eventos europeus na América Hispânica é fundamental para entender o surgimento das diversas nações que hoje compõem o continente americano.

Em resumo, o cenário caótico da Europa no início do século XIX, marcado pela ascensão de Napoleão e pela crise política na Espanha, foi determinante para a fragmentação do império espanhol na América. As colônias hispano-americanas, aproveitando o vácuo de poder na metrópole, gradualmente buscaram sua independência, transformando-se em nações soberanas.


Curtiu? Compartilhe com seus amigos!

0

O que achou desse exercício?

difícil difícil
0
difícil
#fail #fail
0
#fail
geeky geeky
0
geeky
ncurti ncurti
0
ncurti
amei! amei!
0
amei!
omg omg
0
omg
medo! medo!
0
medo!
lol lol
0
lol

0 comentários

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *