O Papiro de Ipuwer e o Êxodo bíblico

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A história do Êxodo é uma das mais conhecidas da Bíblia, retratando eventos como as pragas do Egito, a transformação das águas em sangue e a abertura do Mar Vermelho. Esses acontecimentos permanecem vivos na memória das tradições judaica, cristã e até islâmica. Mas o que dizer sobre a memória egípcia? Se esses eventos realmente ocorreram no Egito, por que não há registros egípcios sobre eles? Ou será que existem?

🧾 O Papiro

Um documento intrigante, o Papiro de Ipuur, foi apontado por alguns estudiosos como um possível relato egípcio do Êxodo, ou de parte dele. O papiro menciona servos que abandonam seus senhores, pestes que assolam a terra e até águas que se tornam sangue. Essas semelhanças são suficientes para relacionar o papiro ao Êxodo bíblico? Vamos explorar essa questão, começando pelo que o Papiro de Ipuur realmente diz, comparando-o com o texto bíblico e, finalmente, examinando o que os egiptólogos modernos pensam sobre ele no contexto da história egípcia.

O Papiro de Ipuur é um texto descoberto no Egito no século XIX e datado de meados do século XI a.C. Escrito em egípcio antigo, com caracteres hieráticos, esse papiro está atualmente preservado no Museu de Antiguidades de Leiden, na Holanda. A obra é atribuída a um escriba chamado Ipuur, que se dirige à majestade do “Senhor de Tudo”, lamentando a caótica situação do Egito. Por isso, o papiro também é conhecido como “As Lamentações de Ipuur” ou “O Diálogo de Ipuur com o Senhor de Tudo”. No contexto egípcio antigo, o “Senhor de Tudo” poderia ser uma referência ao faraó, que era considerado divino.

O texto descreve um Egito em crise: trabalhadores se recusam a trabalhar, guardiões saqueiam os bens que deveriam proteger, mulheres são inférteis, o Nilo transborda, mas ninguém cultiva a terra, os poderosos perdem seu status, e pragas se espalham pela terra. O documento menciona até o rio que se torna sangue, um paralelo direto com a narrativa bíblica. Além disso, descreve cidades queimadas, naufrágios, alta mortalidade e a desordem social, onde escravos adquirem riqueza enquanto nobres passam fome.

Qual a relação com o Êxodo?

Mas o que tudo isso tem a ver com o Êxodo? Para aqueles que defendem uma conexão entre o papiro e o Êxodo bíblico, as semelhanças são claras: em ambos os textos, há referências a servos que desafiam seus senhores, ao Nilo se transformando em sangue, a pragas e desastres naturais, e à ruína do Egito. No entanto, essas semelhanças são suficientes para afirmar uma conexão direta?

É importante destacar que as Lamentações de Ipuur são um texto extenso, contendo muito mais elementos do que as poucas semelhanças com o Êxodo. A maioria do conteúdo do papiro não encontra paralelo na Bíblia, como a referência a estrangeiros invadindo o Egito ou à pilhagem das pirâmides. Isso levanta a questão: por que escolher o episódio do Êxodo para explicar essas semelhanças? Afinal, muitas das descrições no papiro, como o rio transformado em sangue, poderiam ser metáforas para eventos naturais ou sociais, como inundações ou o resultado de batalhas.

Outro ponto crucial é a datação do Papiro de Ipuur. O papiro foi escrito no século XI a.C., mas o texto que ele preserva é considerado uma composição muito mais antiga, possivelmente datada da 12ª Dinastia do Egito, entre os séculos XIX e XVIII a.C. Isso implica que o texto pode ter sido escrito muito antes dos eventos narrados no Êxodo, o que torna difícil sustentar uma relação histórica direta entre os dois documentos.

Além disso, o Papiro de Ipuur faz parte de um gênero literário egípcio que enfatiza o caos e a ruína como uma forma de justificar o poder real e a necessidade de um governo forte para restaurar a ordem. Textos semelhantes, como as Profecias de Neferti e as Lamentações de Kakheresnebe, descrevem cenários de colapso social e desastres, sugerindo que esses textos eram, em grande parte, obras de propaganda política, em vez de relatos históricos.

Os egiptólogos modernos, como Toby Wilkinson e Miriam Lichtheim, defendem que o Papiro de Ipuur não deve ser interpretado como um relato histórico dos eventos do Êxodo, mas como uma peça literária que reflete a ideologia do poder faraônico. Esses textos criavam uma narrativa de caos para legitimar o papel do faraó como restaurador da ordem, uma prática comum na literatura egípcia.

Em resumo, embora existam algumas semelhanças entre o Papiro de Ipuur e a narrativa bíblica do Êxodo, as diferenças são muito mais numerosas. Além disso, o contexto literário e histórico do papiro sugere que ele foi escrito para cumprir uma função propagandística no Egito antigo, em vez de documentar eventos históricos precisos. Portanto, a conexão entre o Papiro de Ipuur e o Êxodo permanece, no melhor dos casos, especulativa.


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